Resumo da Reunião sobre Tradução Automática

Reunião sobre Tradução Automática

No dia 21 de março de 2021, a ATAV organizou uma reunião para falar sobre a tradução automática (TA) aplicada à área audiovisual, sobretudo à legendagem. Eis os pontos abordados e as conclusões tiradas.

Para dar algum contexto, gostaríamos de começar por falar do conceito de tradução automática (machine translation).

A tradução automática não é novidade na área da tradução. Já há muitos anos que são implementadas em tradução técnica ferramentas como memórias de tradução e bases de dados, que, regra geral, são criadas pelo próprio tradutor através das chamadas CAT (computer-assisted translation) tools. Contudo, o uso destas ferramentas por si só não remeteu o tradutor à posição de pós-editor; auxiliavam apenas o seu trabalho.

Já na área da legendagem, e não só, mais do que a implementação das CAT tools, temos visto a implementação de tradução automática e tradução automática neuronal (neural machine translation). Em vez de ser o tradutor que constrói a sua própria base de dados, há organizações e programas que recolhem textos originais e as suas traduções para “ensinar a máquina”. Um dos maiores e mais conhecidos exemplos de TA é o Google Tradutor.

Sobre a reunião

A reunião foi marcada após a ATAV ser informada de que a empresa multinacional de tradução de audiovisuais Iyuno Media Group vai começar a aplicar a chamada Machine Assisted Translation (MAS) ao português de Portugal, como fez em outros países, nomeadamente os países nórdicos, o Brasil e Espanha. Perante esta notícia, surgiu a necessidade de falar sobre o impacto que esta implementação poderá ter no mercado e discutir estratégias sobre o que se pode fazer.

Apesar de no email a empresa não mencionar claramente ajustes no valor que paga atualmente, as suas práticas noutros países são testemunho da sua intenção, nomeadamente um corte de 30 % no valor de tradução, alegando um acréscimo de 30 % de velocidade de trabalho, visando, num horizonte incógnito, uma redução de valores num mercado onde os valores de mercado praticados são já precários. Porém, vale a pena referir que, num mercado já saturado de tradutores, este “aumento de capacidade” pode levar a uma diminuição geral na disponibilidade de trabalho. O argumento que diz respeito ao aumento de trabalho é, portanto, nulo.

Após ilustrarmos este panorama em relação à Iyuno, fizemos algumas perguntas aos participantes. A maioria (cerca de 60 %) não tinha ainda tido contacto com nenhuma forma de TA. Dos cerca de 40 % que já tinham trabalhado com a TA, alguns clientes foram mencionados, nomeadamente a Netflix, a Iyuno (possivelmente os participantes que trabalham com português do Brasil), a Deluxe/Sfera e a SDI.

(Nota: vários participantes disseram que a TA utilizada pela Deluxe/Sfera combina português de Portugal e português do Brasil.)

Sobre a experiência que os participantes tinham tido com a TA, mais de metade denunciava a má qualidade do texto traduzido. Uma outra parte, cerca de metade da primeira, apontava uma boa qualidade. Em termos de tempo, a maioria confirmou ter demorado mais tempo ou o mesmo com a TA e uma minoria que demorou menos. A esmagadora maioria apontou que o uso da TA era opcional, havendo apenas uma resposta a confirmar a sua obrigatoriedade.

Seguiram-se algumas perguntas sobre a Iyuno. Dos presentes, apenas cerca de 25 % trabalhava para a Iyuno presentemente. Desses, a maioria ainda não tinha respondido se queria ou não participar no projeto de MAS. Dos que já tinham respondido, alguns tinham aceitado e outros não.

Depois desta sondagem aos cerca de 40 participantes, a Direção da ATAV, que conduziu a conversa, falou em maior profundidade sobre a TA, baseando-se sobretudo no artigo publicado pela AVTE, que, embora não seja só sobre o panorama da TAV, se aplica muito bem à nossa área e à visão da associação. Aconselhamos a leitura do artigo em questão. Algumas das conclusões foram:

  • A TA veio para ficar e cada vez mais há de ser um fator incontornável da tradução em geral, como já se testemunha em tradução técnica. Os passos mais adequados para lidar com ela passariam não pela sua rejeição, mas sim por uma implementação que não seja detrimental para os profissionais e a profissão.
  • A forma ética de trabalhar com a TA é a que é atualmente empregue pela Netflix. A TA está presente, mas cabe ao tradutor utilizá-la ou não consoante a sua utilidade. Porém, o valor pago pela Netflix (de forma indireta, através dos seus vendors, que trabalham na plataforma criada pela Netflix) mantém-se o mais alto do mercado de TAV português.
  • A maioria das publicações sobre este tema é feita da perspetiva de quem desenvolve a TA e carece de imparcialidade. É importante termos consciência de que a TA que a TA é uma ferramenta com potencial para ajudar o tradutor, e não substituí-lo.
  • No caso da tradução técnica, é comum a memória de tradução criada durante o trabalho ser vendida ao cliente para uso futuro por parte do mesmo, seja para incorporar numa memória maior, seja para partilhar com outros tradutores. Não é uma prática aplicável à tradução de audiovisuais, dado que o tradutor não tem, em qualquer fase do processo, acesso à memória de tradução usada. Todo o material encontra-se hospedado na plataforma do cliente, pelo que a venda da memória não é uma opção viável.
  • Ao contrário do que algumas empresas podem dar a entender, treinar a TA é um serviço complementar e devia, na verdade, exigir que se pagasse mais ao tradutor. Considerou-se, à semelhança do caso acima, procurar negociar com o cliente um preço adicional, possivelmente sob a forma de um acréscimo percentual, a aplicar sobre o valor de tradução, de forma a que o profissional seja remunerado pela prestação na alimentação da memória de tradução do cliente.

Por fim, foi feita uma sondagem aos presentes sobre se iriam aceitar ou não a proposta da Iyuno. A maioria dos que ainda não tinham respondido disseram que não iam aceitar. Apenas uma pessoa disse que ia aceitar (fora as que já tinham aceitado ou rejeitado). Contudo, vale a pena referir que a amostra era pequena e não será necessariamente indicativa de uma resposta geral.

Em suma, a reunião foi muito positiva. Houve bastante participação, tanto nas sondagens como no chat, e em segurança, através do uso de alcunhas que combinavam animais e cores (por exemplo, Abelha Amarela). A mensagem a reter é clara: não nos devemos sujeitar a descidas de preços mesmo ao trabalharmos com TA. Neste momento, ainda não faz sentido. Deixamos esta imagem como reflexão para o argumento da eficiência de tempo.

Outros artigos, publicações e eventos sobre este tema (além dos mencionados ao longo deste texto):


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