Unidos em Letras, Unidos em Número

Recordo até hoje, com muita admiração, a greve dos guionistas de Hollywood de 2007/2008. Era, à altura, uma “guerra” actual e, embora não fosse exactamente a minha área, dizia-me alguma coisa por estar ligada ao meio audiovisual. Era deveras inspiradora, ainda para mais porque a greve foi conduzida a bom porto e os guionistas, entre acordos e meios-termos, viram grande parte das suas reivindicações serem atendidas.

O que foi extraordinário naquela situação foi o espírito de união daquelas pessoas. Todas elas em circunstâncias semelhantes, uns melhor, outros pior, mas certamente todos mal o bastante para entenderem que só unidos chegariam mais longe, que só unidos seriam representativos o suficiente para a indústria e as pessoas no geral perceberem e reconhecerem a importância da sua profissão.

Presentemente, quando recordo essa greve, para além de admiração, sinto também, admito, uma certa inveja. Inveja pelo espírito de união de que se imbuíram, pela determinação que demonstraram, pela garra e vontade que os fez não desistir até verem garantias de melhores condições.

Suspiro, até hoje, por algo semelhante aqui em Portugal no meio da tradução de audiovisuais. Todos temos assistido ao longo do tempo à progressiva deterioração de todas as condições inerentes a esta profissão: tarifas ínfimas que só parecem querer encolher, prazos impossíveis, parâmetros absurdos, acordos com exigências imorais, falta de reconhecimento e até de respeito. Tudo isso inevitavelmente acompanhado de níveis de saturação e exaustão inimagináveis devido ao esforço requerido para manter um rendimento mensal mínimo, o que, por sua vez, nos priva de descanso, de horas de sono, de fins-de-semana e feriados. É o famoso cliché da bola de neve.

Ao longo dos anos vejo e ouço os tradutores queixarem-se disto mesmo. É unânime e todos passamos pelas mesmas dificuldades, basicamente. E, desde que as redes sociais se tornaram num veículo imprescindível de comunicação, mais fácil é constatar isso: somos centenas, uns a trabalho parcial, outros dedicados a tempo inteiro, a padecer do mesmo.

É neste sentido que este artigo pretende ser um apelo. Não um apelo à greve que, sendo uma arma legítima, não deve, a meu ver, ser o primeiro recurso, pelo contrário. Mas um apelo por uma união que sei indispensável para que, também nós, possamos reivindicar e conhecer deste lado do Atlântico melhores condições. Porque a verdade é esta: não somos adversários. Pensar assim não só é errado como é contraproducente. Somos colegas com objectivos comuns e que só podemos sair a ganhar e a aprender (muito) se unidos. Vamos então permitir-nos ganhar vida e expressarmo-nos no nosso descontentamento. Unamo-nos, associemo-nos, para que assim deixemos de ser uma frente de apenas umas dezenas para podermos passar a espelhar as verdadeiras centenas reais que somos. Lutemos juntos, por nós, inspirando-nos uns nos outros.

Este artigo não segue o novo Acordo Ortográfico.

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Mafalda Abreu

Mafalda Abreu

Desde sempre fascinada pelo lado antropológico e cultural das sociedades, Mafalda Abreu dá por si em 2001 em Munique, Alemanha. Apaixonada pela língua, diz que, consequente e inevitavelmente, foi a tradução que a encontrou a ela. Nessa mesma cidade licencia-se em Tradução em 2006 pelo Sprachen- und Dolmetscher- Institut e, de volta ao país natal, faz uma formação em Legendagem em 2007. Dá início a um percurso profissional em tradução de audiovisuais em 2008, colaborando desde então com várias empresas nacionais de alemão e inglês para português. É membro da ATAV desde a sua fundação em 2019.