20 anos de TAV: Mark Raishbrook

O mundo mudou muito nos últimos 20 anos. Os telemóveis e os computadores tornaram-se essenciais para todos os portugueses. Nasceram as redes sociais. O digital explodiu. E o impacto destas mudanças afetou também o mundo da tradução de audiovisuais.

Contactámos vários profissionais relacionados com a TAV que tenham vivido este período de 20 anos para eles partilharem connosco a sua experiência das duas últimas décadas. Esta semana contamos com a entrevista a Mark Raishbrook.

Mark Raishbrook nasceu em Londres em 1964. Nos anos 80, mudou-se para Portugal, onde ensinou inglês em vários centros de línguas. Deixou o ensino nos anos 90 e tornou-se tradutor independente. Em meados da mesma década, começou a desenvolver um sistema de legendagem para que os tradutores de AV pudessem tornar-se autónomos e legendar em casa, o que levou, em 1997, à criação da Spot Software. Trabalhou como consultor de software a partir de 2002. Em 2010, deixou as traduções de texto para se dedicar a tempo inteiro à programação, a outros projetos de software e à legendagem.


Como era o mundo da TAV para si no início do século?

MR: Demorado e ruidoso! Os trabalhos eram entregues aos tradutores em cassetes VHS, o que implicava deslocações constantes à sede do cliente. Em casa, para conseguir ver o vídeo no monitor e ler o timecode, era necessário ter duas placas ligadas ao computador através de um sistema complicado de cabos e adaptadores. E um leitor de cassetes VHS, claro, que fazia um CLUNK! CLUNK! barulhento cada vez que se carregava no botão play ou pause e um BRRRRRRRRR! BRRRRRRRR! CLUNK! CLUNK! a bobinar alguns segundos para frente ou para trás. Quem nunca trabalhou assim não imagina quão moroso era o processo.

Para enviar o trabalho final ao cliente, o tradutor deslocava-se mais uma vez à empresa para entregar uma disquete de 3,5 polegadas ou, se a empresa tinha a sorte de ter uma ligação de Internet, utilizava-se um modem para enviar o ficheiro através da linha telefónica à velocidade estonteante de 56 kbps. Para dar uma ideia da lentidão da ligação, um ficheiro PAC com 1500 legendas demorava quase 15 minutos a enviar.

O que mudou nos últimos 20 anos, na sua opinião?

MR: Para mim, a chegada do vídeo digital, poucos anos após a viragem do século, proporcionou a maior mudança de sempre no mundo de tradução audiovisual. Navegar para qualquer ponto de um vídeo tornou-se instantâneo (e silencioso!) e o software de legendagem, cada vez mais sofisticado, começou a incorporar ferramentas que tornaram extremamente mais fácil a tarefa de encontrar shot cuts e o início de diálogos. Tudo isto fez com que o tempo necessário para legendar um programa fosse drasticamente reduzido.

Ao mesmo tempo, o acesso à Internet tornou-se mais barato e mais rápido. Era finalmente possível receber e entregar trabalhos sem ser necessário sair da casa. As enciclopédias e os livros especializados que cada tradutor tinha ao lado do computador deixaram de ser precisos. Para pesquisar termos e encontrar traduções, bastava um clique.

Infelizmente, o que não tem mudado nos últimos 20 anos são os preços. Graças ao  dumping de preços generalizado no início do século, um tradutor hoje em dia recebe, em termos reais, muito menos do que há 20 anos. Houve tentativas pontuais de tomar uma posição unida contra a injustiça gritante dos preços praticados, mas também houve sempre alguém que aceitasse trabalhar por menos. E, assim, em 2020, vivemos num país onde o preço pago por minuto é um dos mais baixos da Europa.

O que prevê para o futuro?

MR: Previsão pessimista: a legendagem será feita cada vez mais nas plataformas online das grandes empresas. Com o advento do automatic speech recognition e da tradução automática, o trabalho do tradutor limitar-se-á a corrigir o trabalho das máquinas (o que já está a acontecer, aliás). Isto levará a uma queda ainda mais acentuada dos preços. Daqui a 20 anos, já não haverá cursos de tradução ou de legendagem. É o fim da linha para a tradução audiovisual.

Previsão optimista: o automatic speech recognition e a tradução automática nunca serão perfeitos e servirão de complemento ao trabalho dos tradutores. Haverá um reconhecimento geral das competências necessárias para traduzir e legendar um filme ou programa com qualidade. As grandes empresas internacionais estabelecerão regras mais firmes para o onboarding de tradutores, sendo obrigatório ter formação e experiência na área. Isto levará a preços mais altos, independentemente do país onde o tradutor trabalhar, indexados à taxa de inflação.


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