O mundo mudou muito nos últimos 20 anos. Os telemóveis e os computadores tornaram-se essenciais para todos os portugueses. Nasceram as redes sociais. O digital explodiu. E o impacto destas mudanças afetou também o mundo da tradução de audiovisuais.
Contactámos vários profissionais relacionados com a TAV que tenham vivido este período de 20 anos para eles partilharem connosco a sua experiência das duas últimas décadas. Esta semana contamos com a entrevista a Sara Morna Gonçalves.
Sara Morna Gonçalves licenciou-se em Tradução pelo ISLA e, em 1999, começou a trabalhar na área da tradução de audiovisuais. Fez uma pós-graduação em Tradução Económica e Jurídica no ISLA, em 2009, mas a televisão continuou a falar mais alto e manteve-se até hoje, em exclusivo, na área da TAV. É associada da ATAV desde 2019.
Como era o mundo da TAV para si no início do século?
SMG: A tecnologia ainda não era muito nossa amiga e não havia vídeos em formato digital. Havia cassetes VHS, que púnhamos a andar para trás e para a frente vezes sem conta, para que as legendas ficassem com os tempos certos. Os guiões eram em papel e alguns deles eram verdadeiros calhamaços. Era feito um visionamento do vídeo e, de lápis ou caneta na mão, íamos marcando as divisões das legendas. Só depois se traduzia e o vídeo só regressava na altura de legendar. Era um processo moroso. Claro que podíamos aventurar-nos a traduzir e legendar ao mesmo tempo, mas quem se lembra das cassetes, sabe que tanto andar para a frente e para trás podia correr mal. Podem imaginar como era difícil fazer programas sem guião.
A Internet funcionava a uma velocidade bastante mais lenta e, muitas vezes, era mais rápido recorrer aos nossos “velhos” livros e enciclopédias.
O que mudou nos últimos 20 anos, na sua opinião?
SMG: As grandes mudanças verificaram-se, sobretudo, a nível tecnológico. Quando surgiu a grande novidade dos vídeos em formato digital, tudo mudou. Já podíamos “saltar” no vídeo com facilidade. Aquilo que hoje é tão normal na TAV foi, naquela altura, uma revolução. Ainda me lembro dos primeiros vídeos em formato digital com que trabalhei. Que sonho! Claro que os guiões acompanharam a evolução e deixaram de ser em papel.
Passou, felizmente, a haver uma maior atenção em relação aos aspectos mais técnicos, como a velocidade de leitura, a duração das legendas, a mudança de planos, etc. Hoje em dia, os clientes são muito exigentes nestes aspectos e a TAV teve de se adaptar a isso.
O que prevê para o futuro?
SMG: Como optimista que sou, sei que a união dos colegas de TAV pode ser bastante profícua. Mas também sei que será uma jornada difícil. A tecnologia irá afectar cada vez mais a maneira como trabalhamos, e temos de saber aproveitá-la ao máximo e de nos moldar às mudanças que são cada vez mais céleres. Mas há cuidados a ter. Para que não sejamos substituídos demasiado cedo, e por completo, pela tradução automática, por uma IA, temos de saber mostrar a importância de haver tradutores e revisores humanos. Há cada vez mais aquela opinião de que o ideal é o que é rápido e fácil, mas há que transmitir a ideia de que as línguas e as suas especificidades ganham sempre com o “toque” humano e com o tempo que lhes dedicamos. Penso que essa transição será inevitável, mas espero que seja suave e ponderada.
A meu ver, há também que ter cuidado com o facto de se poder cair num grande exagero em relação a alguns parâmetros de legendagem, nomeadamente em relação à velocidade de leitura que, caso seja bastante diminuta, pode tornar-se limitativa. A tradução e a legendagem devem complementar-se. Defendo que se deve ter um enorme cuidado com os parâmetros, porque eles são indispensáveis, mas há que evitar cair num exagero que exija “malabarismos” linguísticos que podem contribuir para o empobrecimento da tradução.
Apesar dos meus receios, penso que o futuro da nossa profissão pode ser muito sorridente. Nunca, como colegas, estivemos tão unidos e empenhados em mostrar a importância e a indispensabilidade desta profissão tão rica e tão diversa. Há que não esmorecer.