A tradução automática (TA) não é novidade para ninguém, embora o seu uso na área da tradução de audiovisuais (TAV) ainda não seja tão visível como é noutras áreas da tradução, sobretudo em tradução técnica. Porém, começa a tornar-se claro que há quem queira aplicar a TA à TAV; um dos exemplos é o caso da Unbabel, a conhecida empresa que combina TA e pós-edição humana. Outros exemplos começam a surgir entre as grandes empresas de tradução que se especializam em TAV e também com os próprios clientes finais.
A tradução automática não devia assustar os tradutores. Devíamos vê-la como uma ajuda para fazermos um trabalho ainda melhor. Teoricamente, temer a TA, na minha opinião, é como temer um glossário, um guião, um template. São materiais de apoio que o tradutor usa para garantir uma tradução de melhor qualidade. Então porque é que há este medo das máquinas?
É uma questão de dinheiro. Isto porque quem “oferece” a tradução automática nem sempre o faz porque quer um trabalho de maior qualidade e, sim, cortar nos custos, baixando o preço que paga ao tradutor que “só tem de corrigir umas coisas”. O nível de “correção” depende da qualidade da TA, algo que pouco ou nada é referido; quem “oferece” a TA age sempre como se fosse a última Pringle do pacote, mas nem sempre uma TA é de qualidade (tal como nem sempre é um atentado à língua).
Na TAV, ou até na tradução literária, a tradução automática nunca precisaria “apenas de umas correções”. Estamos a falar de uma área dominada pelo registo oral que, muitas vezes, assenta na criatividade. Não é uma simples tradução de palavras com equivalentes certos. Uma palavra inglês tão simples como “face”, por exemplo, pode ser traduzida por “rosto”, “face” ou “cara” em português, sendo cada palavra aplicada num contexto específico. Se forem jovens nos dias de hoje a falar, talvez não se usasse “face”. Se a palavra fosse dita num contexto poético, talvez “cara” não fosse a primeira opção que usaríamos. Agora multipliquem estes casos por mil (ou mais) e ficarão com uma ideia do que seria preciso “corrigir” num episódio ou num filme.
Também não nos podemos esquecer das particularidades que definem a TAV. No caso da legendagem, inclusive na legendagem para surdos, há a limitação de carateres por linha, a velocidade de leitura, entre outros. Na dobragem, há que ter em mente os sincronismos (como nos ensinou a Manuela Domingues no seu artigo) e encaixar o texto num determinado espaço, característica que também está presente na audiodescrição. Talvez no futuro a TA consiga ter tudo isso em conta, mas, atualmente, não tem.
Há aqueles que podem perguntar: “Então mas se eu desenvolvi uma TA, investi dinheiro nisso e até vou poupar trabalho ao tradutor, não faz sentido pagar-lhe menos?” A resposta é simples: não. Porque o tradutor não é pago pelo tempo que gasta numa tarefa. Se assim fosse, pagaríamos menos aos tradutores mais rápidos, que talvez nem existissem, pois, ao prolongarem um trabalho, ganhariam mais. Um tradutor com mais experiência é mais rápido do que um com menos, mas não é para lhe pagar menos que um cliente o procura. O tradutor de audiovisuais é um profissional que se especializou naquela área. Lê, estuda, investiga, procura constantemente formas de melhorar. É alguém que investiu tempo a tornar-se especialista e é por isso que é pago. Assim sendo, o tradutor não merece receber menos por trabalhar em TA porque lhe ocupa menos tempo do que fazer uma tradução de raiz (o que nem sempre é verdade, depende da qualidade da TA), o tradutor é pago por saber o que tem de ser corrigido.
Em suma, com isto quero dizer que a nossa visão não pode ser “tradutores versus máquinas” e, sim, “tradutores com máquinas”. A TA, tal como outras ferramentas fornecidas aos tradutores, deve ser usada para aumentar a qualidade da tradução e não como forma de reduzir um custo. Lembremo-nos do nosso papel enquanto especialistas da língua e do meio audiovisual, passíveis de errar, mas criativos e rigorosos. E não se preocupem: no dia em que as máquinas superarem os tradutores, é possível que já ninguém precise de tradução. Pelo que os filmes de ficção científica indicam, ainda temos tempo.
Parabéns pelo artigo, Susana. Acrescento ainda que um dos desafios com a TA é que, no caso de ela ser boa, acharmos que é a melhor solução e nem pensarmos em soluções mais criativas e menos coladas ao original, como vejo isso com um cliente que já usa TA. Teremos de nos prepararmos para esta realidade, pois ela vai ser cada vez mais dominante.